A.M.E. Entrevista Arnaldo Miranda

Nadar contra a maré ou caminhar em certa direção enquanto toda uma cena regional traça outra rota um tanto diferente não é muito fácil. Mais complicado ainda é fazer disso uma meta, um sonho e alcançar êxito em terreno tortuoso e sem apoio da massa. O produtor, DJ e logo mais publicitário Arnaldo Miranda tirou de letra.

Natural do Pará, saiu de Belém em 2009 para estudar Produção de Música Eletrônica na Rede Internacional de Universidades Laureate (Universidade Anhembi Morumbi) em São Paulo, se formando em 2011. Enquanto estudava pôde entrar em contato não somente com uma gama de produção sonora latino-americana de ponta como também vivenciar a cena clubber bem estruturada da capital paulista, absorvendo conhecimento e presenciando suas inspirações tocarem ao vivo em casas importantes como a D-Edge e Clash.

De volta ao norte, equipou um home studio para desenvolver suas produções com a merecida liberdade. Lançou sons pelas gravadoras Four Peas Recordings, Code2 Records, Fever Sound Recordings, Miami Underground Records, Repressure Records, entre outras. Já alcançou o 1º lugar em vendas da norte-americana Four Peas com a música “’Whispers”, bem como o 3º lugar no mesmo ranking com “Unbelievable”. Algum tempo depois arregaçou as mangas e passou a produzir localmente festas interessantes como a Mov3 e a Belhell.

A sonoridade Tech-House é bastante presente em suas composições, mas vez ou outra Arnaldo varia para o Techno mais puro. Em junho deste ano o selo Tiles lançou “Beat Off”: um EP de três faixas sendo uma delas remix de “Reflex”. Para conhecer um pouco melhor o novo disco e sua trajetória, os Apreciadores de Música Eletrônica – A.M.E. conversaram com o Arnaldo.

Foto: Press kit do artista.
Foto: Press kit do artista.

A.M.E. – Arnaldo, o que te motiva?
ARNALDO: O sorriso de quem tá dançando na pista, ainda mais quando a música é minha.

A.M.E. – Quais as suas inspirações?
ARNALDO: Isso variou ao longo dos anos em minha carreira. Quando eu era mais novo em 1998-2000 minhas inspirações eram os DJs e produtores do mainstream tipo Prodigy, Daft Punk, Benny Benassi, D-Devils, Robin S, Dirty South… Com o passar do tempo descobri como funciona a indústria e como são formuladas as músicas. É perceptível a reciclagem de hits e a repetição de formulas pré-estabelecidas, tanto nas melodias quanto nas bases e letras, e isso começou a me incomodar; foi aí que comecei a ouvir outros sons em 2005-2007. Após minha experiência com a cena clubber de São Paulo passei a me inspirar por sons conceituais com um apelo mais artístico, porém voltados para a pista de dança, e esse contato me tornou muito sensível ao som mais lento, calmo e repetitivo do Techno, Minimal, Deep & Tech House. Hoje eu me inspiro muito nesses estilos e em alguns artistas que admiro seus trabalhos e carreiras, como por exemplo: Richie Hawtin, Adam Beyer, Maceo Plex, Wehbba, Marco Carola, Victor Ruiz, Anderson Noise, Loco Dice… As vidas e as músicas desses artistas me inspiram muito. Em geral posso afirmar que sou um cara fissurado em vida noturna, pois gosto da ideia de que todo mundo está dormindo e eu estou trabalhando para as pessoas se divertirem e serem felizes, seja produzindo no estúdio de madrugada ou na labuta como DJ. Às vezes quando chego da balada a primeira coisa que faço é sentar na frente do computador para começar a produzir um som e sigo por horas até a exaustão porque a energia que a pista transmite é absurda. Para mim, poder proporcionar uma noite única na vida de uma pessoa apenas pela experiência sonora é algo inspirador e simplesmente fenomenal.

A.M.E. – Quais os equipamentos de produção que você costuma utilizar?
ARNALDO: Utilizo os softwares Ableton Live 9 e Logic Pro 9. Também utilizo um par de monitores KRK – Rokit 8 para referência, Controladora Midi Novation – Impulse 25, uma placa de audio M-Audio Fast Track Pro e meu cérebro com muitas ideias.

A.M.E. – Para você é fácil compor?
ARNALDO: Depende do estilo que eu vou produzir. Produzo Techno, Tech House e Minimal com muita facilidade – muito mais do que outros estilos, mas isso não significa que eu não consiga produzi-los. Acredito muito naquele velho ditado “a prática leva à perfeição” então quanto mais você praticar a reprodução da ideia do som que está na sua mente, mais fácil fica de compor a música.

A.M.E. – Como aconteceu o processo criativo em “Beat Off”?
ARNALDO: Demorei dois meses na produção do EP. Bom, tudo começou em janeiro desse ano quando fui ao D-Edge em SP assistir o set da tINI, uma artista alemã que assina no label Desolat. Foram 6 horas intensas de Minimal Techno puro com pitadas de Deep Techno. Esse set me inspirou a produzir um EP que transmitisse o que senti durante essa experiência, uma espécie de introspecção dançante. Além disso, nesse mesmo período minha avó estava muito doente e faleceu, o que me deixou completamente arrasado, introspectivo e isso ficou muito presente no EP. A faixa “Beat Off” é mais animada, tem um ar tranquilo, dançante e um bassline bem groovado com timbres de Deep. “Reflex” transmite mais seriedade e sugere reflexão, mas a batida dela por ser dopada em todos os sentidos te instiga a dançar e acompanhar a construção hipnótica da música que tem elementos minimalistas e psicodélicos seguidos de um bassline mais reto com menos variações, porém inteligente. O nome “Beat Off” em inglês significa “repelir” e o EP é justamente isso: eu expulsei o sentimento que havia dentro de mim.

A.M.E. – Regionalmente, quais as dificuldades enfrentadas?
ARNALDO: Com produção de festas são os locais que nem sempre possuem a infraestrutura adequada para um evento de e-music e a falta de profissionalismo da maior parte das pessoas que trabalham na noite. São poucos os que realmente levam a sério a produção da festa, cumprem com os horários de produção e pagamentos. Porém é aquela coisa: quem se adapta melhor pode evoluir com as mudanças, então tenho procurado me adaptar ao mercado da melhor maneira possível. Recentemente um produtor de outro núcleo enviou um inbox no Facebook me insultando e de certa forma me ameaçando por produzir um evento no mesmo dia que o dele. Só daí você tem uma noção da qualificação de alguns que estão atuando nesse mercado. Apesar, as coisas estão indo muito bem e não vislumbro muitas dificuldades além dessa. O mais difícil para mim já passou, que é ter reconhecimento mínimo suficiente do público para produzir uma festa mensal, a Belhell. Basta trabalhar duro que Deus recompensa, o resto é figuração.
Como músico infelizmente não se pode agradar a todos, mas em geral meus sets são muito bem recebidos pelo público e as pessoas vêm agradecer pelo som que faço na noite; isso é muito gratificante. Este foi o primeiro ano em que me encontrei sem datas durante meses, fato que obrigou a produzir a minha própria festa e, sinceramente, foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. É muito difícil levar a vida de músico e produtor de Techno na nossa região. Voltei para Belém em 2011 e até hoje muita gente desconhece o meu trabalho justamente porque meu estilo não é o mais fácil de ser apreciado e vendido. Os cachês pagos aos DJs do circuito underground em maioria não dá nem para pagar as músicas que você compra para tocar no seu set, muito menos para pagar um book fotográfico para um Press Kit, quanto mais para comprar um computador decente para produzir ou um curso online para aprender a produzir, desestimulando a maioria de tentar ingressar no mercado de fato. Fora que ainda tem mais de meia dúzia de DJs que tocam de graça ou cobram mais barato que você roubando sua data, mas acho que isso deve acontecer em muito lugar por aí. O que me salva é a projeção externa nacional e internacional que é muito maior devido ao fato de eu publicar meu trabalho na internet e ter um bom relacionamento com os que estão no topo do mercado, gerando um leve reconhecimento de quem não entende do assunto.

A.M.E. – Nacionalmente, quais as dificuldades enfrentadas?
ARNALDO: Logística. O valor das passagens aéreas de Belém para o sul e sudeste é muito alto, o que às vezes torna mais interessante o pessoal de lá “bookar” alguém que possui mais relevância no mercado de lá do que eu que estou aqui no norte. Essas são palavras de produtores e de agências de DJs de lá. Acredito que a nível nacional a única dificuldade é a distância mesmo, mas tendo internet tudo é possível.

A.M.E. – Projeções para o futuro…
ARNALDO: Concluir o curso de publicidade, ingressar no SAE Institute em Londres e começar a estudar Music Business para depois abrir um Label digital. Muito ambicioso esse rapaz, não? [Risos] Tudo isso em 5-6 anos aproximadamente. Espero atingir esses objetivos, afinal se o Richie Hawtin conseguiu por que eu também não consigo?

A.M.E. – Como a formação em publicidade ajuda o Disc-Jockey e músico Arnaldo Miranda?
ARNALDO: Publicidade te faz entender absolutamente tudo sobre a cultura da música eletrônica, comportamento do consumo, estética; por isso abriu minha mente de uma maneira absurda. Tenho aplicado muito meus estudos no mercado e isso vem gerando bons resultados, contribuindo para que eu saiba me comunicar bem com meu público alvo.

A.M.E. – A quantas anda a cena clubber no norte do país?
ARNALDO: Olha, clubber underground eu diria que neste ano está começando a tomar outro rumo e também sinto que as coisas vão fluir muito bem daqui para frente. Tem rolado uma movimentação da galera que não saia de dentro de seus apartamentos por que estava sem opção de festa e novas produtoras estão surgindo. Quando dizemos “cena clubber” devemos levar em consideração um todo e tomar como referência as cenas do sul/sudeste: equilibradas, com maior diversidade de opções para o público e assim por diante. Estou vendo que aos poucos vamos conseguir chegar lá pois público tem, o que não tem é festa suficiente. Vemos aí Manaus dando um show de cena e outras cidades do norte não conseguem fazer igual.

A clubber comercial está excelente com atrações de peso todo mês, eventos de alta qualidade com infraestrutura e tudo mais que uma boa balada tem direito.

A.M.E. – E no Pará especificamente?
ARNALDO: Ainda estamos longe de atingir o nível do sul/sudeste ou até mesmo do nosso vizinho Amazonas em todos os sentidos. Pode melhorar se houver um carinho maior com público, eventos e etc. Mas cena nós temos e ela está galgando ainda os seus primeiros passos como retomada. Já tivemos uma realidade maravilhosa, mas atualmente ela está jogada.

A.M.E. – O que não sai do seu fone de ouvido atualmente?
ARNALDO: Eats Everything, Format B, Wehbba, DJ Anna, Victor Ruiz, Flex B, Dashdot, Re Dupre, Rod B… Nossa, é tanta gente que não sai do meu ouvido, mas vou dar um destaque pra DJ Anna. Ô mulher zica pra produzir, viu?! As músicas dela não saem dos meus sets e só vem surpreendendo a cada lançamento.

A.M.E. – Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas por você no iniciozinho da carreira?
ARNALDO: Falta de reconhecimento no mercado, recursos financeiros, um bom professor de discotecagem, falta de conhecimento técnico; muita coisa a gente tem que descobrir sozinho quebrando a cara mesmo e às vezes da pior maneira possível. Vejo hoje que a molecada tem tudo na mão com a internet e mesmo assim não aprende por preguiça.

A.M.E. – O que dizer para quem está começando agora?
ARNALDO: “Quem desiste nunca vence, e só vence quem nunca desiste.”


Flyer da Belhell Dark Station
Flyer da Belhell Dark Station

O EP “Beat Off” do Arnaldo será lançado em formato físico na festa Dark Station da Belhell que acontecerá dia 12 de julho no Muvuca Club (Rua dos 48, entre Padre Eutíquio e Presidente Pernambuco, n.º 42) em Belém. Ingressos baratíssimos a R$10 a noite inteira para quem confirmar no evento do Facebook e R$20 após meia-noite.


 Foto destacada: Vitor Nikolai.

4 comentários em “A.M.E. Entrevista Arnaldo Miranda”

  1. Sempre apostei no seu sucesso….e como.
    Mas, ainda esta começando….. e vai continuar.
    Vem muito mais….e mais, com certeza.

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